Vício em comida existe mesmo ou é mito?

Vício em comida existe mesmo ou é mito?

Elisa Rodríguez Ortega, UNIR – Universidad Internacional de La Rioja

The Conversation, em 18 julho 2024.

Há alguns anos, vem sendo estudada a possibilidade de podermos nos tornar dependentes de determinados alimentos, especialmente aqueles cujo sabor nos agrada.

Você certamente já ouviu alguma vez, por exemplo, que o açúcar causa dependência. Mas o que diz a ciência a respeito?

Gostamos do melhor sabor

A dependência pode estar relacionada a substâncias (como álcool ou cannabis) ou condutas (como o jogo). Vamos nos concentrar no primeiro caso.

A Associação Americana de Psiquiatria define, no seu Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V-TR), seus critérios de diagnóstico de dependência. Entre eles, estão a deterioração social ou a falta de controle sobre o consumo.

A dependência de alimentos foi definida em função de semelhanças com a dependência de substâncias: a perda de controle ou necessidade imperiosa de ingerir alimentos, por exemplo — uma compulsão ativada pelos alimentos altamente palatáveis.

Assim definimos os alimentos de que gostamos mais do que outros, como os que incluem altos níveis de sódio ou gorduras saturadas. Em nível cerebral, eles podem agir de forma similar às drogas de abuso.

Diagnóstico problemático

Mas o conceito de dependência de alimentos apresenta uma série de dificuldades.

Uma delas reside no fato de que a alimentação é um ato fisiológico. Por isso, pode ser complexo definir o que é adequado ou não.

Por outro lado, o objetivo do tratamento não pode ser eliminar o consumo, como no caso das drogas. Afinal, precisamos comer para sobreviver.

Além disso, a dependência de comida é confundida com outros problemas, como a obesidade, o transtorno compulsivo e a bulimia. E, clinicamente, é difícil separar estes transtornos.

Se considerarmos que uma pessoa pode desenvolver dependência de alimentos, parece lógico imaginar que seja possível diagnosticá-la.

Você se lembra do manual DSDM-V-TR, que mencionamos mais acima? Pois é, a dependência de alimentos não está incluída ali como transtorno.

Não existem critérios específicos de diagnóstico desta conduta, além dos existentes para a dependência de forma geral. Nem a Associação Americana de Psiquiatria, nem a Organização Mundial da Saúde, consideram a dependência de alimentos um transtorno.

Então, como poderemos diagnosticá-la?

A principal ferramenta é um teste psicométrico desenvolvido há alguns anos pela Universidade Yale, nos Estados Unidos. Ele é conhecido pela sigla YFAS e, desde então, constitui a ferramenta mais utilizada para detectar e pesquisar a dependência de comida.

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Argumentos a favor

Algumas das características da dependência de forma geral parecem estar presentes no caso da ingestão de alimentos.

Existem, por exemplo, pessoas com excesso de peso que são incapazes de controlar a quantidade de comida que ingerem, mesmo sabendo que aquilo já lhes causou graves problemas de saúde. É algo muito parecido com o que acontece com os dependentes de drogas.

Técnicas de neuroimagem permitiram observar alterações em nível cerebral em casos de dependência de alimentos.

Foram identificadas, por exemplo, alterações em regiões do cérebro que também são modificadas nos casos de dependência de drogas. Particularmente, o sistema dopaminérgico mesolímbico ficaria alterado nos dois casos.

Flutuações dos níveis do neurotransmissor dopamina nessas regiões podem mediar nossa sensibilidade a estímulos de reforço, como alimentos ou substâncias de uso abusivo.

Argumentos contra

Foram realizadas muitas pesquisas sobre a dependência de alimentos em modelos animais, como ratos e camundongos.

Nestes trabalhos, a disponibilidade de acesso dos objetos de estudo a um ou outro tipo de alimento é muito limitada. Mas isso não acontece na vida real. Nas sociedades prósperas, os seres humanos podem ter acesso a qualquer tipo de comida, a qualquer momento.

Em segundo lugar, a similaridade entre a dependência de alimentos e outros transtornos (especialmente o transtorno compulsivo) torna muito difícil seu isolamento de forma independente.

Pacientes com transtorno compulsivo e pessoas com dependência de alimentos, por exemplo, atingiram pontuação similar no teste YFAS.

Por fim, não existe consenso para determinar se o problema é um alimento específico ou o próprio ato de comer, o que prejudica ainda mais sua conceitualização como transtorno.

E a dependência de açúcar?

Você certamente terá ouvido, mais de uma vez, que somos dependentes de açúcar — o que, neste sentido, pode ser considerado uma subespécie da dependência de alimentos.

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Ela consistiria do consumo excessivo de alimentos ultraprocessados com alto teor de açúcar, que é viciante devido às suas propriedades estimulantes. Mas não sabemos ao certo se o açúcar pode funcionar como droga em nível cerebral, pelo menos em seres humanos.

Da mesma forma que ocorre com o açúcar, alguns estudos chegaram a explorar a possível ocorrência de dependência de chocolate ou de fast food — e este último também costuma ser consumido com bebidas com alto teor de açúcar. Mas ainda temos muito a investigar a este respeito.

Conclusão

Embora pareça óbvio que algo acontece com a comida, o conceito de dependência aplicado à ingestão de alimentos ainda tem muitas nuances que precisam ser esclarecidas por meio de pesquisas.

Atualmente, este é um termo ambíguo, pelo menos no campo clínico. A preferência por este ou aquele alimento é algo que todos nós, seres humanos, compartilhamos e, de forma geral, aprendemos.

O que precisamos saber é por que o consumo de determinados alimentos pode se tornar muito problemático para algumas pessoas. Somente assim poderemos evitar estas dificuldades e ajudar quem necessita.

Elisa Rodríguez Ortega, é professora doutora da UNIR , UNIR – Universidad Internacional de La Rioja

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em espanhol.

The Conversation

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